Nota Pública – PEC n° 457/2005

O idoso deve ter a opção de poder escolher entre continuar trabalhando ou parar de trabalhar.[1].

No imaginário social a velhice é pensada como uma carga econômica, seja para a família, seja para a sociedade, o que tem  levado o mundo a subtrair dos velhos seu papel de pensar seu próprio destino.[2]

 A Associação Nacional de Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência – AMPID, que tem como um de seus objetivos o respeito absoluto e incondicional aos valores políticos e jurídicos de um Estado Democrático de Direito, vem a público manifestar-se a favor da PEC n° 457/2005, dizendo o que segue:

1. A PEC n° 457/2005 tem por objetivo aumentar a idade limite de 70 para 75 anos para a aposentadoria compulsória dos servidores públicos em geral,  alterando o artigo 40 da Constituição Federal e acrescenta dispositivo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

 2. Recentemente várias associações de classe do próprio Ministério Público, em nota conjunta à imprensa, manifestaram-se contrárias a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 457 de 2005, que eleva a idade de aposentadoria compulsória no serviço público de 70 para 75 anos, conforme a íntegra da nota:

Brasília (05/11/2014) – A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT) e a Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM) vêm a público manifestar posição contrária à Proposta de Emenda à Constituição nº 457/2005, que busca elevar a idade de aposentadoria compulsória no serviço público de 70 para 75 anos.
A despeito do inegável aumento da expectativa de vida – a partir da segunda metade do século XX –, a proposta implica graves prejuízos ao interesse público e às carreiras do Ministério Público e do Judiciário, em virtude:

• da tendência à estagnação da jurisprudência dos tribunais brasileiros, obstando o necessário e indispensável progresso das ideias e decisões no republicano espaço do Poder Judiciário;

• do engessamento das carreiras, em virtude da possibilidade oferecida pela proposição de longa e desproporcional permanência dos membros do Judiciário nos órgãos de cúpula e dos membros do Ministério Público que atuam perante esses órgãos;

• da possibilidade de – ao contrário do que se defende – aumento das despesas com a previdência pública, em virtude do fomento às aposentadorias voluntárias por tempo de contribuição, diante da perspectiva negativa de ascensão na carreira;

• dos obstáculos ao desenvolvimento gerencial dos órgãos do Poder Judiciário e Ministério Público, pois o alongamento em mais cinco anos do exercício na carreira impediria a renovação da administração pública, das rotinas processuais das varas, dos Tribunais, dos Tribunais Superiores, das Procuradorias, etc., necessárias para trazer a este poder a celeridade e a dinamização de que necessita, conforme determina o princípio da duração razoável do processo (art. 5°, LXXVIII, CF);

• de o Brasil ser ainda um país de instituições novas, as quais, em especial as instituições jurídicas, precisam, para sua natural evolução, também, de constante evolução do pensamento de seus integrantes.

A permanência de agentes públicos por longos períodos em órgãos formadores de opinião dessas instituições, como é o caso dos Tribunais e das Procuradorias, representa a possibilidade de engessamento dessa salutar evolução;

• de a proposta contrariar a reiterada posição do Parlamento no sentido da necessidade de renovação dos quadros do Judiciário e do Ministério Público como forma de legitimar o exercício de suas funções, em consonância com o sistema republicano.

Considerando todos os fatores acima mencionados, as entidades de classe que representam os membros do Ministério Público pedem a rejeição da PEC n.º 457/2005, confiando no espírito democrático dos parlamentares brasileiros. (a) Alexandre Camanho de Assis, Presidente da ANPR (a) Carlos Eduardo de Azevedo Lima, Presidente da ANPT (a) Norma Angélica Reis Cardoso Cavalcanti, Presidente da CONAMP (a) Antonio Marcos Dezan, Presidente da AMPDFT (a) Giovanni Rattacaso, Presidente da ANMPM.

No entanto, a AMPID discorda veementemente do posicionamento das associações de classe, não comungando dessa forma de pensar pois,

 

  1. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2013 mostrou que a população brasileira alcançou o patamar de 201,5 milhões de habitantes, sendo que 13% (treze por cento) são  pessoas com 60 anos ou mais de idade. Nos últimos dez anos, a população com 60 anos ou mais pulou de 9,7% do total de brasileiros em 2004 (17,7 milhões) para13% em 2013 (26,1 milhões), o que denota um crescente envelhecimento populacional, acarretando uma série de consequências e de novos desafios para o Estado.

 

  1. De acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida do brasileiro ao nascer saltou de 42,74 anos na década de 1930 para 66,96 anos em 1991, 69,83 anos em 2000, 73,86 anos em 2010 e 74,84 anos em 2014.

 

(…) as pirâmides etárias derivadas da projeção para o Brasil mostram que, uma vez mantidas as tendências dos parâmetros demográficos implícitas na projeção da população do Brasil, o País percorrerá velozmente um caminho rumo a um perfil demográfico cada vez mais envelhecido, fenômeno que, sem sombra de dúvidas, implicará em adequações nas políticas sociais, particularmente aquelas voltadas para atender as crescentes demandas nas áreas da saúde, previdência e assistência social[3]

5.   Em recente texto denominado “Estatuto do Idoso: avanços com contradições”, Ana Amélia Camarano, Técnica de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea, em suas conclusões chegou a sugerir que a idade para que alguém fosse considerado idoso passasse de 60 para 65 anos:

Dado o aumento da esperança de vida e a preocupação com a coerência com outras políticas para idosos, já mencionadas, como idade considerada avançada para o trabalho e o transporte público gratuito, sugere-se 65 anos como essa idade. Considerando uma estimativa de esperança de vida aos 65 anos de 19,7 anos em 2010, essa idade proposta define, também, uma longa fase da vida, o que ainda tornará esse grupo heterogêneo[4].

6. O trabalho, por sua vez, é um direito social garantido no artigo 6° da Constituição da República, sendo também fundamento do Estado Democrático de Direito.

7.  Por sua vez, a Lei n°10.741/03 – Estatuto do Idoso – prevê, em diversos artigos, a defesa do direito ao trabalho da pessoa idosaa qual não pode ser sujeito de discriminação, trazendo de modo explícito a proibição de fixação de idade para ingresso do idoso em emprego ou cargo público, exceto quando a natureza do cargo assim exigir, portanto, em caráter excepcionalíssimo:

Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

(…)

Art. 26. O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.

Art. 27. Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir.

Parágrafo único. O primeiro critério de desempate em concurso público será a idade, dando-se preferência ao de idade mais elevada.

Art. 28. O Poder Público criará e estimulará programas de:

I – profissionalização especializada para os idosos, aproveitando seus potenciais e habilidades para atividades regulares e remuneradas;

II – preparação dos trabalhadores para a aposentadoria, com antecedência mínima de 1 (um) ano, por meio de estímulo a novos projetos sociais, conforme seus interesses, e deesclarecimento sobre os direitos sociais e de cidadania;

III – estímulo às empresas privadas para admissão de idosos ao trabalho.

8. Portanto, como se pode verificar dos artigos anteriormente transcritos, o Estatuto do Idoso, em seus artigos 26 a 28, garante o direito à profissionalização, proíbe a discriminação em razão da idade e ainda prevê que o Poder Público deve criar e estimular programas de profissionalização especializada para idoso, aproveitando seus potenciais e habilidades para atividades regulares e remuneradas.

9. Cumpre ressaltar que as alegações de que, aprovada a PEC 457/2005, haverá “tendência à estagnação da jurisprudência dos tribunais brasileiros, obstando o necessário e indispensável progresso das ideias e decisões no republicano espaço do Poder Judiciário”, “engessamento das carreiras, em virtude da possibilidade oferecida pela proposição de longa e desproporcional permanência dos membros do Judiciário nos órgãos de cúpula e dos membros do Ministério Público que atuam perante esses órgãos” “o Brasil ser ainda um país de instituições novas, as quais, em especial as instituições jurídicas, precisam, para sua natural evolução, também, de constante evolução do pensamento de seus integrantes” ou “necessidade de renovação dos quadros do Judiciário e do Ministério Público como forma de legitimar o exercício de suas funções, em consonância com o sistema republicano’,como as encontradas na nota conjunta referida, refletem o preconceito ainda hoje existente em relação ao potencial do idoso no que diz respeito também ao seu trabalho, sendo, muitas vezes, visto como pessoa retrógrada e sem possibilidade de capacitação ou atualização. Muitos se esquecem da maturidade e do conhecimento que as pessoas idosas adquirem ao longo de suas vidas, os quais são importantíssimos, dentre outras atividades, para a aplicação da Justiça, em se tratando de idosos operadores do Direito.

10. Assim, independente de posições pessoais ou de conveniência política dos órgãos envolvidos, não se respalda a argumentação acima alegada na nota das associações, posto que discriminatória e contrária à lei, pois o direito à velhice saudável, ativa e produtiva tem proteção no ordenamento jurídico brasileiro, sendo considerado como direito “indisponível”, não podendo ser o mesmo ser abdicado, cuja ação em contrário poderá ensejar ato de cunho discriminatório.

11.    Infelizmente, o discurso produzido pelas associações é de mero interesse de duas determinadas classes – magistrados e membros Ministério Público – que deveriam ser os primeiros, por serem profundos conhecedores da Constituição e das leis, a combater qualquer espécie de discriminação e de respeitar à autonomia de vontade da pessoa idosa em permanecer trabalhando.

12. A análise da conveniência e oportunidade da referida PEC deve ser permeada pela realidade inevitável do envelhecimento da população brasileira a exigir adaptações em todos os contextos sociais, de trabalho, familiar, inclusive em relação ao fomento da seguridade social de forma a garantir subsídios previdenciários dignos ao servidor que vier a optar pela aposentadoria.

13. Ao lado do direito em permanecer trabalhando, como já ocorre no setor privado, também se torna relevante e fundamental garantir condições de paridade e de isonomia entre ativos e inativos, estendendo vantagens iguais aos aposentados, a fim de que a real vontade dos idosos possa ser respeitado de permanecer ou não na ativa.

14. Como Órgãos de Classe que são e que também representam magistrados e membros do Ministério Público aposentados, deveriam articular no sentido de que a paridade salarial fosse respeitada e garantida, e não buscar, pela incitação ao preconceito que leva ao caminho da discriminação, aumentar o fosso da discórdia, da separação, de preconceitos e da invisivilidade já existente em relação à pessoa idosa, ao ponto de afirmar que os idosos possam ter “ideias retrógradas” (sem discernimento) ou  são seres “ sem evolução de pensamento”.

15. Além dos contra-argumentos acima referidos, deve ser acrescida a constatação de que a aposentadoria compulsória, nada mais é do que uma forma de discriminação que impede ao trabalhador/servidor permanecer produzindo até quando queira. Exemplo da lei canadense (Quebec) sobre normas do trabalho (artigos 84.1; 122.1), segundo a qual, obrigar a um trabalhador a aposentar com motivação na idade constitui forma de discriminação baseada na Carta de Direitos e Liberdades da Pessoa. A regra foi estendida ao serviço público, excetuadas determinadas profissões como bombeiros e policiais (Gugel, Maria Aparecida. Politica Nacional do Idoso, no prelo).

16. Para alguns, enfim, pode parecer que isto não lhe diz respeito, não aceitamos a velhice, que devemos “cuidar e proteger os idosos dos outros” (das outras categorias, do Brasil). Todavia, basta uma simples lembrança quanto ao fato de que todos nós um dia envelheceremos e, certamente, ao chegarmos aos 75 anos seremos os primeiros a combater o preconceito de que não servimos mais para contribuir com ideias e ações, pois seremos tachados de retrógrados.

Por todo o exposto, a AMPID não vê, na aprovação da PEC, qualquer violação aos direitos das pessoas idosas, mas, pelo contrário, entende que representará um grande avanço no sentido de se respeitar os princípios constitucionais e legais que conduzem à valorização do idoso, enquanto pessoa digna e que deve estar sujeita às mesmas oportunidades que as demais.

 

Natal, 11 de novembro de 2014.

Iadya Gama Maio, Presidente- Promotora de Justiça

Waldir Macieira- Vice-Presidente- Promotor de Justiça

Maria Aparecida Gugel, Diretora da Região Centro-Oeste-Subprocuradora-Geral

do Trabalho
[1]  Pérola Melissa Vianna Braga

[2] Sandra Quintão

[3]  (IBGE.Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaDinâmica demográfica e a mortalidade no Brasil no período 1998-2008. Rio de Janeiro,2009b .Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2008/notastecnicas.pdf. Acesso em 07 out 2014, p.11 e 18.

[4]  CAMARANO, Ana Amélia. Estatuto do Idoso: Avanços com contradições. Texto para discussão n. 1840. Rio de Janeiro: IPEA, 2013.

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