NOTA PÚBLICA SOBRE O PROJETO DE LEI N° 5.813/2023 SOBRE ESTÁGIO ESPECIAL DE APRENDIZAGEM PARA PESSOAS COM DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID vem a público se posicionar CONTRA o Projeto de Lei n° 5.813/2023, de autoria da Deputada Federal IZA ARRUDA (MDB/PE) que trata de “estágio especial de aprendizagem” como formação e treinamento desenvolvido no ambiente de trabalho, supervisionado pelo concedente de estágio e assistido por uma equipe especializada, visando ao trabalho produtivo de pessoas com diagnóstico de transtorno do espectro autista (artigo 1º do projeto de lei).
1. As proposições do projeto de lei n° 5.813/2023 se dirigem exclusivamente às pessoas com diagnóstico de transtorno do espectro autista e provocam uma dissociação jurídica e social para todas as demais pessoas com deficiência.
2. As proposições do projeto de lei n° 5.813/2023 são contrárias à CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, à CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (CDPD – Decreto n° 6949/2009) e à LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LBI – Lei n° 13.146/2015).
3. Ao tratar do trabalho e emprego, a CDPD enfatiza o direito das pessoas com deficiência em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, inclusive ao acesso aos programas de orientação profissional e à aquisição de experiência de trabalho (Artigo 27, letras d, j), salientando que os ambientes de trabalho devem ser inclusivos, acessíveis e com a garantia de fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e adaptação razoável para cada caso (Artigo 27, letra i da CDPD e 34 da LBI). Todos esses direitos se aplicam às pessoas com deficiência aprendizes, incluídas as pessoas com autismo.
4. A todos os aprendizes e a todas as aprendizes, incluídos aprendizes com deficiência e sem importar a natureza da deficiência (física, sensorial, intelectual ou mental), são aplicadas as regras da aprendizagem previstas na CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT, 428, 431, 432 e 433) e na LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LBI, artigo 97). Não são necessários outros mecanismos para fazer valer a aprendizagem para pessoas com autismo, pois já os temos!
5. Verifica-se no projeto de lei n° 5.813/2023 a previsão de regras que desnaturam a aprendizagem, ora a confundindo com “estágio” (que tem regramento próprio), ora dando-lhe duração indefinida e por meio de um termo de compromisso – “A duração do estágio será definida no termo de compromisso e poderá ser prorrogada sempre que as partes entenderem conveniente” -.
5. Tenha-se em mente que o contrato de aprendizagem para a pessoa com deficiência, incluídas as pessoas com autismo, é um meio de formação/habilitação profissional para atingir a inclusão efetiva no mundo do trabalho em futuras colocações competitivas. O contrato de aprendizagem não é um fim em si mesmo, portanto, não pode ter duração segundo a vontade do ente concedente. Essa prática, já dissemos em outras notas públicas, tenderia a privar as empresas da presença de outras pessoas com e sem deficiência com direito à aprendizagem. Tenderia, também, a privar nos ambientes de trabalho a alternância da diversidade humana das deficiências (física, sensorial, mental e intelectual) e, em última análise, tenderia a inibir o direito de escolha da própria pessoa com deficiência/pessoa com autismo em vivenciar outras possibilidades e modalidades de profissionalização em diferentes empresas.
6. Outra proposta que é grave, e cuja alteração é sorrateira, no projeto de lei n° 5.813/2023 é a previsão final de que “a vaga de estágio será computada para o preenchimento da reserva de vagas de que trata o art. 93 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991”. A proposta é sorrateira porque quer desvirtuar a reserva de cargos (cota) em empresas com cem ou mais empregados. Já está assentado em lei que para a reserva de cargos (cota) é considerada somente a contratação direta de pessoa com deficiência EXCLUÍDO O APRENDIZ COM DEFICIÊNCIA (artigo 93 parágrafo 3º da Lei n° 8.213/1991). Com esse entendimento a LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (artigo 101) pôs pá de cal em propostas que afetem a reserva de cargos (cota), a qual é constituída somente por trabalhadores e trabalhadoras com deficiência adultas e produtivas.
7. A proposta não está comprometida com o princípio da igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência em relação com as demais pessoas quando prevê que “a vaga de aprendiz será computada simultaneamente para os fins do disposto no inciso I deste artigo e para o disposto no art. 429 da CLT”. Como todo respeito, o “estágio de aprendizagem” pretendido cria uma modalidade que beneficia tão somente pessoas com autismo, justificadas no projeto de lei 5.813/2023 como sendo “aquelas pessoas com transtorno do espectro autista com comprometimento cognitivo ou gravidade nível 2 (necessidade de apoio moderado)”.
8. Por fim, aponta-se a necessidade de consulta a pessoas com deficiência e demais organizações representativas de pessoas com deficiência para ouvir delas se aceitariam as regras do projeto de lei 5.813/2023 que as colocam em desigualdade no processo de aprendizagem. Lembre-se que nosso ordenamento jurídico incorporou a CDPD, ratificada com status de emenda constitucional, que obriga o Estado brasileiro, quando da elaboração ou implementação de legislação e políticas, à construção progressiva de direitos das pessoas com deficiência com a sua efetiva participação. É o que consta do Artigo 4, item 3 da CDPD que trata das obrigações do Estado Parte. Portanto, as pessoas com deficiência e suas organizações representativas devem ser obrigatoriamente ouvidas nesse processo legislativo.
9. A AMPID se posiciona CONTRÁRIA AO PROJETO DE LEI 5.813/2023 e sugere seu ARQUIVAMENTO.
Brasília, 08 de abril de 2024.
Cristiane Lucas Branquinho – Vice-Presidenta
Maria Aparecida Gugel – Conselho Científico
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