Nota Pública contra as alterações produzidas pela Portaria Conjunta Nº 7, de 14 de setembro de 2020 à Portaria Conjunta MDS/INSS Nº 3, de 21 de setembro de 2018

REGRAS E PROCEDIMENTOS DE REQUERIMENTO, CONCESSÃO, MANUTENÇÃO E REVISÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (BPC)

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID ao tomar conhecimento da Portaria Conjunta nº 7, de 14 de setembro de 2020 que modifica a Portaria Conjunta MDS/INSS nº 3, de 21 de setembro de 2018, preocupa-se e, ao mesmo tempo, repudia as alterações das regras e procedimentos de requerimento, concessão, manutenção e revisão do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), pois:

1. O conteúdo da portaria é de difícil compreensão para o público beneficiário, especialmente porque não traz previsões em linguagem simples e objetiva, como deve ser um regulamento.

2. Qualquer regramento interno só pode existir se estiver em harmonia com a norma regulamentada, e em consequência com a lei e Constituição da República.

3. As novas previsões do artigo 8º comprometem a percepção do Estado em relação à pessoa com deficiência no lugar onde vive pois:

3.1 elimina no novo inciso I a possibilidade de que informações do grupo familiar e da própria pessoa com deficiência sejam coletadas por meio de parecer social (por assistentes sociais) que permite aferir vários elementos relevantes em relação à pessoa, por exemplo: condições da moradia, uso de tecnologia assistiva, acesso a políticas públicas, transporte, saneamento básico. Eliminar essa importante fase é ferir o valor de proteção social adequados, insculpido na Constituição da República e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Artigo 28).

3.2 no que concerne às informações do CadÚnico que serão utilizadas para o registro da composição do grupo familiar e da renda mensal bruta familiar é o próprio cadastro, acrescido de outras informações coletadas por agentes do Estado, que deve servir de base para qualquer uma das hipóteses de comprovação, de forma a não onerar o(a) beneficiário(a) com obrigações que certamente estão fora de seu alcance social/econômico, como por exemplo a assinatura eletrônica que depende de certificação digital, ou senha ou biometria. E, somente “Na hipótese de não ser o requerente alfabetizado ou de estar impossibilitado para assinar o pedido, será admitida a aposição da impressão digital na presença de funcionário do órgão recebedor”.

Pergunta-se, a partir da regra de que qualquer (re)aferição periódica é obrigação do Estado – no caso, na forma do Decreto nº 6.214, de 2007 – quem arcará com o acesso à certificação digital da pessoa com deficiência beneficiária do BPC, e ou a locomoção da pessoa com deficiência beneficiária do BPC ou seu procurador até o presença de funcionário do órgão recebedor da informação?

4. Sobre o trâmite proposto no artigo 11 para a comprovação da deficiência, verifica-se que foge da concepção biopsicossocial portanto, está em confronto com o que determina a norma vigente (a Lei Brasileira de Inclusão).

Estabelece que a portaria anterior que está sendo alterada (Portaria Conjunta MDS/INSS nº 3, de 21 de setembro de 2018) passa a vigorar da seguinte forma: “Excepcionalmente, as avaliações para comprovação da deficiência, de que tratam o inciso I do § 2º e o § 3º poderão ser realizadas antes da avaliação de renda de que trata o inciso II do § 2º (artigo 11 parágrafo 7º). Portanto, dá exclusividade na avaliação ao Médico Perito Federal.

Esta “excepcionalidade exclusiva” será transformada regra, diante da inexistência de instrumento de avaliação da deficiência, aponte-se que por falha do Estado.

Lembre-se, no entanto, a Lei nº. 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), ao considerar a pessoa com deficiência e quando necessária a sua avaliação, esta será biopsicossocial na forma do artigo 2º, parágrafo 1º, ou seja por equipe multiprofissional e interdisciplinar, nunca sob a ótica exclusiva do médico perito federal.

Não há hipótese de interpretação do artigo 2º, parágrafo 1º e incisos de I a IV da Lei Brasileira de Inclusão que leve à conclusão da primazia médica sobre a avaliação.

Portanto, também é defeituosa a previsão do parágrafo 8º, do artigo 11 que diz O disposto no § 7º levará em consideração a necessidade de adaptação de procedimentos e sistemas e poderá ser adotado de forma regionalizada e por período determinado, na forma que vier a ser definida pelo INSS, em relação ao Serviço Social, e pela Subsecretaria da Perícia Médica Federal, em relação à Perícia Médica”. É impensável que o gestor público prorrogue para cumprimento futuro a adaptação de seus sistemas para atender a garantia de um direito imediato da pessoa com deficiência.

5. Observe-se, ainda, que o trâmite proposto no artigo 11 e seus parágrafos para as diferentes etapas de avaliação do requerimento, sob a justificativa de “minimizar o tempo de espera pelo requerente”, é confuso e desvincula etapas distintas de avaliação.

A aferição da condição de deficiência, aferição da renda, aferição das condições sociais, umas em relação às outras, são critérios inafastáveis em vista dos valores trazidos pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Deficiência.

Ao contrário, a regulamentação na Portaria Conjunta nº 7/2020 ao prever que as avaliações da condição de deficiência e renda mensal “poderão sempre ser realizadas em paralelo pelo Serviço Social do INSS e pela Perícia Médica Federal” (parágrafo 6º), não tem o caráter obrigatório – de dever do Estado/agente – imposto pela Lei Brasileira de Inclusão. O que faz é dar primazia para a avaliação médica sobre qualquer outra etapa e/ou dar primazia sobre a comprovação da renda sobre qualquer outra etapa, ou  seja cria preferência à perícia médica em dizer sobre a condição da pessoa e ao seu direito, queimando etapas decorrentes de norma vigente.

A nova regra está desconectada do regramento estabelecido nos próprios códigos de concessão de benefícios que seguem uma ordem determinada (no caso, B87 renda, avaliação social e avaliação médico-pericial) que permitem a sistematização da aferição pelo Estado/agente, em cada etapa, ser ou não o(a) candidato(a) possível beneficiário(a), o que torna tal processo claro, objetivo e seguro para o(a) beneficiário(a).

6. Lembre-se que a Assistência Social será prestada a quem dela necessitar com o objetivo de garantir as pessoas com deficiência o mínimo para a sua manutenção e sobrevivência, e também como forma a apoiar a sua participação e inclusão social, tal como preveem os artigos 203 da Constituição da República e os Artigos 26 e 28 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. É o Estado quem deve acolher e garantir o sustento da pessoa com deficiência que não puder suprir ou tê-lo suprido por outrem, e não somente criar obstáculos para o acesso ao direito constitucional e legal do benefício da prestação continuada.

7. Lembre-se que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto Legislativo nº 186/2008 e Decreto nº 6.949/2009) de natureza constitucional, no preâmbulo, reconhece “que a discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, configura violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano” (alínea h) e que “a necessidade de promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas com deficiência, inclusive daquelas que requerem maior apoio” (alínea k);

No artigo 2 diz que a “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, como o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, social, civil ou qualquer outro. Abrande todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável.

 

O artigo 4º parágrafo primeiro da Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), considera discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.

Portanto, o Estado, por meio de seus gestores/agentes, não pode criar em seus regulamentos exigências que dificultem, impeçam e restrinjam o acesso das pessoas com deficiência ao exercício de seus direitos constitucionalmente previstos (no caso à assistência social).

Pratica dessa natureza revela um Estado que institucionalmente discrimina a pessoa em razão de sua deficiência e condição social vulnerável, o que não pode incorrer o Estado brasileiro que ao ratificar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e tê-la em seu sistema como norma de natureza constitucional, obriga-se a tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa ou agente público – Artigo 4, alínea e.

Por fim, o Estado brasileiro deve se abster de participar de qualquer ato ou prática incompatível com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de assegurar que seus gestores/agentes e instituições públicas atuem em conformidade com ela – artigo 4, alínea d.

A AMPID espera a revisão criteriosa das previsões da Portaria Conjunta nº 7/2020 e consequente revogação dos excessos que dificultam o acesso ao direito e do que estiver em confronto à lei e à ordem constitucional.

Brasília, 16 de setembro de 2020.

Maria Aparecida Gugel
Presidenta

Gabriele Gadelha Barboza de Almeida
Vice-Presidenta

 

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