Nota Pública sobre o PL n° 3.584/2024 que veda a reserva de vagas para pessoas com deficiência em processos seletivos para residência médica

 

 

NOTA PÚBLICA SOBRE O PROJETO DE LEI N° 3.584/2024 QUE VEDA A RESERVA DE VAGAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA EM PROCESSOS SELETIVOS PARA RESIDÊNCIA MÉDICA

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID vem a público se posicionar CONTRA o Projeto de Lei n° 3.584/2024, de autoria do Deputado Federal Dr. Zacharias Calil – UNIÃO/GO, que estabelece a proibição da aplicação de cotas em processos seletivos para especialização, em residência médica, após a conclusão do curso de medicina, obstando inclusive a garantia de reserva legal de vagas para pessoas com deficiência em seleções públicas.

1. A proposta de alteração é a seguinte:

Art. 1º Fica vedada a aplicação de cotas raciais, socioeconômicas ou de qualquer outra natureza em processos seletivos para residência médica ou qualquer outra forma de especialização médica, a partir da conclusão do curso de medicina.

Art. 2º O ingresso nos programas de residência médica e demais especializações será realizado exclusivamente por meio de provas, considerando critérios meritocráticos e de competência técnica, sem qualquer tipo de reserva de vagas.

Art. 3º A regulamentação e supervisão sobre os processos seletivos de residência médica e especializações médicas ficam sob competência exclusiva da União, por meio de lei federal, de acordo com as diretrizes nacionais de educação.

Art. 4º Conforme as disposições da Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, não se aplicam aos processos seletivos para residência médica ou especializações de caráter técnico, os quais são regulamentados por normas específicas do ensino de pós-graduação e devem observar critérios meritocráticos.

2. Segundo a justificativa relacionada ao Projeto de Lei n° 3.584/2024:

A proposição tem como objetivo garantir que os processos seletivos para residência médica e demais especializações dependam de forma justa e meritocrática , vedando a aplicação de cotas após a conclusão do curso de medicina. O fundamento desse projeto de lei encontra respaldo na Constituição Federal de 1988, na legislação infraconstitucional pertinente e nos princípios gerais que regem a administração pública e a educação no Brasil.

O art. 5º da Constituição Federal consagra o princípio da isonomia (igualdade), estabelecendo que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. A proposta, ao ver a aplicação de cotas em programas de residência médica, busca garantir a igualdade de tratamento entre todos os candidatos que já tiveram suas desigualdades corrigidas durante o processo de ingresso no ensino superior. Uma vez que o sistema de cotas já foi aplicado no vestibular, garantindo acesso equitativo às faculdades de medicina, não se justifica sua reprodução em processos seletivos posteriores, especialmente em uma fase tão crítica da formação médica, onde a competência técnica e os méritos devem prevalecer.

3. Nenhum dos argumentos lançados nas justificativas de autoria e relatoria são compatíveis com o espírito da ação afirmativa de reserva de cargos ou cota para pessoas com deficiência.

4. A AMPID, a cada nova proposta de alteração da ação afirmativa da reserva de cargos, repete que a reserva de vagas para pessoas com deficiência em concursos e seleções públicas deve permanecer inalterada, se não for para melhorar e conquistar novos direitos.

5. A proposta do PL n° 3.584/2024, ao propor vedação da “aplicação de cotas raciais, socioeconômicas ou de qualquer outra natureza em processos seletivos para residência médica ou qualquer outra forma de especialização médica, a partir da conclusão do curso de medicina”, com todo respeito, não se sustenta, ao contrário, fere o princípio da progressividade de direitos (ou não retrocesso) prevista nos Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto nº 591/1992), e Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador (Decreto nº 3.321/1999).

6. O princípio geral da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) preconiza que todas as pessoas com deficiência têm o direito de trabalhar em igualdade de oportunidade e condições com as demais pessoas (artigo 3º, letra e) para um trabalho (vaga, cargo, atividade, ofício, função) de sua livre escolha e aceito no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência (artigo 27).

7. Nesse sentido, dita Convenção Internacional, promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, com status de Emenda Constitucional (art. 5º, § 2º da CF), assegura o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdade fundamentais por todas as pessoas com deficiência e a promoção de sua dignidade inerente, tendo por princípios, dentre outros a não-discriminação, a plena e efetiva participação e inclusão da pessoa com deficiência na sociedade, o respeito pela diferença e pela aceitação como parte da diversidade humana e da humanidade, a igualdade de oportunidades e a acessibilidade.

8. Desse modo, o Estado brasileiro, com a subscrição e promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, reconheceu o direito das pessoas com deficiência de exercer seus direitos trabalhistas, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, bem como o “acesso efetivo a programas de orientação técnica e profissional e a serviços de colocação no trabalho e de treinamento profissional e continuado”, comprometendo-se expressamente a adotar as medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim, entre outros de acesso das pessoas nesta condição à educação em todos os níveis e, consequentemente, a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho (art. 27, 1, “c” e “d”).

9. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), por sua vez, determina que a inclusão da pessoa com deficiência no trabalho ocorra em igualdade de oportunidades, em ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos, incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor (artigo 34).

10. Vale lembrar, por fim, que o Supremo Tribunal Federal tem se pronunciado no sentido de que “não contraria – ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares” (ADPF 186, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26-04-2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 17-10-2014 PUBLIC 20-10-2014 RTJ VOL-00230-01 PP-00009).

A AMPID se posiciona contrária ao Projeto de Lei n° 3.584/2024 e sugere seu ARQUIVAMENTO.

Brasília, 21 de novembro de 2024.

Guglielmo Marconi Soares de Castro – Diretor Nordeste – AMPID

Waldir Macieira da Costa Filho – Presidente da AMPID 

 

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