NOTA DE REPÚDIO AO DISCURSO DISCRIMINATÓRIO DE UM LÍDER RELIGIOSO EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS COM TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID vem a público repudiar o discurso discriminatório de um líder religioso na cidade de Tucuruí/PA em relação às pessoas com Transtorno do Espectro Autista e suas famílias.
Segundo o vídeo amplamente divulgado em redes sociais, gravado no dia 12 de julho do corrente ano, durante a celebração de 90 anos da Assembleia de Deus da região do Pará, o pastor manifestou-se no sentido de que o autismo seria uma forma de punir a família ou genitores da pessoa com transtorno do espectro autista ao dizer que “temos um percentual gigantesco de pessoas e ventres manipulados, visitados pela escuridão. As crianças de hoje, de cada 100, nós temos aí quase 30% de autistas de vários graus”. A fala do líder religioso demonstra uma total insensibilidade, despreparo e ignorância com o segmento dos autistas e suas mães , e repercutiu com intensidade nas redes sociais, provocando, além de indignação pela prática de capacitismo contra a pessoa com autismo, desinformação na sociedade a respeito do que constitui o Transtorno do Espectro Autista.
Divulgados em março do ano de 2023 pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças-CDC, os dados sobre prevalência do Transtorno do Espectro do Autismo nos EUA já apontaram que a condição é mais comum do que se pensa: 1 a cada 36 crianças até 8 (oito) anos de idade é diagnosticada. O Brasil apenas no censo de 2020 passou a incluir perguntas sobre o Transtorno do Espectro Autista no Censo realizado pelo IBGE. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é considerado uma condição de neurodesenvolvimento, de início precoce, caracterizado por déficits persistentes na comunicação e na interação social, associados a padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades. Estudos vem mostrando que o TEA pode gerar, nos pais da criança, sentimentos de baixa autoestima, culpa, perda de confiança no futuro, estresse conjugal, crises de ansiedade e pânico, problemas de sono e redução de renda familiar. Em nossa sociedade, ainda é comum a mulher ser a responsável pelos cuidados básicos dos filhos com autismo. Elas são as que mais perdem oportunidades profissionais e tendem a se comprometer mais com as necessidades desta criança. Muitas vezes, o marido a abandona ou se afasta das responsabilidades exigidas pelo filho dentro do espectro autista, o que redobra as demandas deste pelos cuidados de sua mãe. Ademais, essas mães convivem diariamente com a ausência de rede de apoio e enfrentam igualmente a luta diária contra o preconceito, o capacitismo e a falta de informação sobre o que é o autismo.
A conscientização e a informação sobre o autismo são fundamentais na luta contra a discriminação. É preciso que as pessoas compreendam melhor o autismo, suas características e necessidades, para que possam contribuir de maneira positiva e construtiva na promoção da igualdade e da inclusão. Combater a discriminação contra autistas é uma responsabilidade de todos. Notificar casos de discriminação, denunciar e apoiar as vítimas são atitudes importantes para combater essa forma de violência e assegurar os direitos das pessoas autistas.
A pessoa com Transtorno do Espectro Autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, conforme a Lei nº 12.754/2012 (Lei Berenice Piana), o que está em consonância com o conceito de pessoa com deficiência da Lei Brasileira de Inclusão, haja vista o impedimento de longo prazo que, em interação com as barreiras da sociedade, impede o gozo de direitos em condições de igualdade.
A Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Lei Brasileira de Inclusão, que define o Estatuto da Pessoa com Deficiência, prevê em seu artigo 4º que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”. Não obstante, diante da fala discriminatória do líder religioso cabe a responsabilização cível por dano moral coletivo.
A AMPID repudia veemente a fala do líder religioso, por reconhecer seu caráter discriminatório e ofensivo às pessoas com autismo e suas famílias, bem como em cumprimento ao seu mister constitucional de fiscalizar o respeito aos direitos inerentes a Pessoa com Deficiência, apoiará a adoção de todas as medidas legais cabíveis, tanto na esfera cível quanto criminal, para que sejam reparados os danos por malferimento dos artigos 4º, 5º e 88 da Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão – LBI).
Brasília, 18 de julho de 2024.
Waldir Macieira da Costa Filho – Presidente da AMPID
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