A AMPID adere à CARTA ABERTA À UFRJ para disponibilizar recursos de acessibilidade ao estudante de medicina MATHEUS, que é uma pessoa surda

  

14 de julho de 2021

A AMPID adere à CARTA ABERTA À UFRJ para disponibilizar todos os recursos de acessibilidade ao estudante de medicina MATHEUS, que é uma pessoa surda.

Matheus e todos(as) alunos(as) surdos(as) do Brasil têm o direito ao atendimento prioritário de interpretação das aulas em Libras, na forma dos comandos constitucionais, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, das leis de acessibilidade, das normas técnicas e, especialmente,  da lei nº 10.436/2002 regulamentada pelo Decreto nº 5.626/05.

É preciso que a UFRJ implemente o direito.

 

CARTA ABERTA À REITORIA DA UFRJ, À COORDENAÇÃO DO CURSO DE MEDICINA / CAMPUS MACAÉ, À DIRAC, À CPAI, AO CORPO DISCENTE E CORPO DOCENTE DLA UFRJ

 

HISTÓRICO :

Vimos por meio desta carta, divulgar junto aos meios acadêmicos e de comunicação a situação narrada por Matheus da Silva Oliveira em encontro pela plataforma Meet em 01/07/2021 onde se reuniram  com Matheus, Sônia Marta Oliveira, Sônia Gertner (Fiocruz), Laís Costa (Fiocruz), Raphael Castelo, Branco, Isabel Melo (COMDEF de Rio das Ostras), Claudia Regina Vieira (  UFABC), Annibal Amorim (Fiocruz), Marcos V. Ferreira (UFRJ), Renata Fernandes((COMDEF de Rio das Ostras), Magno Prado Gama Prates– Feneis Nacional, Caio Sousa (Comissão da Pessoa Com deficiência da OAB/ RJ), Sônia Oliveira (intérprete de LIBRAS), Maria Aparecida Gugel (AMPID),

Matheus é estudante da Universidade Federal do Rio de Janeiro, (Campus UFRJ-Macaé Professor Aloísio Teixeira), no curso de medicina desde 2018. É aluno com surdez profunda e usuário de LIBRAS.

Matheus levou aos professores a perspectiva surda e suas dificuldades no momento. Durante os 2 primeiros períodos teve interpretes de LIBRAS considerados satisfatórios para Matheus devido a complexidade dos conceitos do curso de medicina. Os problemas se iniciaram quando a intérprete expôs aos professores a necessidade de receber o material antes das aulas para que pudesse se preparar. Com o passar do tempo muitos professores não entregaram os materiais com antecedência demonstrando certa desconfiança com a insistência da intérprete em receber o material. Ainda em 2018, mesmo com o fim do contrato, a intérprete de LIBRAS ainda prosseguiu por algum tempo apoiando-o nas aulas. Matheus fez um e-mail cobrando mais intérpretes ainda em 2018 e desde aquela época não obteve respostas da instituição .

A suspensão das aulas devido à pandemia encontrou Matheus sem intérprete, em março de 2020.  A partir de novembro de 2020, a Secretaria Municipal de Educação de Macaé contratou por quatro meses quatro intérpretes de LIBRAS e a UFRJ não  contratou mais intérpretes. Matheus percebeu que os intérpretes contratados não tinham tanta experiência em LIBRAS e que a interpretação feita das aulas não correspondia fielmente aos conteúdos comprometendo o seu rendimento. Matheus teve muitas dificuldades em mostrar aos professores a necessidade de adaptações mínimas. Por exemplo, o professor deve procurar manter-se voltado para ele ao falar, o que possibilitaria sua leitura labial.

A universidade parece desconhecer a legislação brasileira relacionada à surdez. A lei 10.436/2002 regulamentada pelo Decreto 5626/05, coloca que para o surdo usuário de LIBRAS, a língua de sinais é a primeira língua(L1) e a língua portuguesa (L2) na modalidade escrita é a segunda língua, o que é ratificado na Lei Brasileira de Inclusão no seu artigo 28, item IV e XI, deixa claro a necessidade do intérprete de LIBRAS para promover acessibilidade. Ressaltamos que não é só a LBI está sendo desrespeitada, mas também a Constituição Federal e a Convenção internacional de Direitos Humanos também, o que expõe a gravidade da situação enfrentada pelo aluno Matheus.

Quanto ao profissional intérprete de LIBRAS, lembramos que para a contratação do mesmo, o artigo 28 parágrafo 2º, item II da LBI enfatiza que “os tradutores e intérpretes da Libras, quando direcionados à tarefa de interpretar nas salas de aula dos cursos de graduação e pós-graduação, devem possuir nível superior, com habilitação, prioritariamente, em Tradução e Interpretação em Libras”.

O que se percebe é que a LBI dá acesso à pessoa surda aos espaços de Educação, mas não fornece condições de permanência a muitos desses alunos que aos poucos vão ficando à margem e sendo sutilmente afastados do meio escolar, desde o ensino fundamental até o superior.

Matheus ressalta que a, seu ver, a metodologia do curso volta-se somente para os alunos ouvintes e não para os com deficiência auditiva, mesmo após seguidas explicações de que sua primeira Língua é LIBRAS, língua oficial no Brasil. Era sempre alegado de que Matheus deveria se adaptar a Universidade e aprender mais a Língua Portuguesa, numa visão claramente contrária ao movimento de inclusão e que acaba por contribuir para uma visão capacitista.

Matheus enviou vários e-mails para os departamentos da UFRJ- Macaé pedindo ajuda. Em abril de 2019 foi mais incisivo em mais um e-mail explicando as portarias do MEC em forma de manifesto, contudo mais uma vez não obteve resposta da Universidade.

Todos que tiveram acesso ao relato cronológico de Matheus sentem-se profundamente espantados diante de alguns aspectos que, no presente momento, trazemos à presença das instâncias presentes à esta reunião solicitada pelas entidades que subescrevem esse documento:

  1. Inicialmente causa espécie saber que uma publicação científica seja feita sobre o aluno sem que o mesmo fosse cientificado e autorizado: ele é um sujeito de direitos e não um objeto;
  2. Ainda que um estudo de percepção (sobre a presença de um aluno com deficiência auditiva na Universidade fosse realizado) tenha sido aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa, ressaltamos que a identidade do aluno é facilmente identificada sem que sua anuência fosse sequer cogitada e/ou obtida;
  3. Não podemos deixar de ressaltar que os possíveis “efeitos” desse estudo circule no meio acadêmico sem que a percepção do corpo discente possa ser igualmente avaliada; e
  4. Finalmente, é extremamente preocupante que um aluno seja reprovado em uma disciplina sendo atribuída sua reprovação por 0,06 por questões vinculadas ao português (L2) enquanto a LIBRAS é a sua língua primária.

 

JUSTIFICATIVA

O esforço de uma pessoa com deficiência auditiva para vencer as barreiras existentes no Curso da Universidade não podem se concentrar no aluno, uma vez que a Universidade deve garantir o que está previsto em lei. Ao invés de buscar adequar sua metodologia no curso, foca-se na pessoa com deficiência, ainda que na situação de Matheus este seja um  pioneiro na busca do curso de medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Campus de Macaé. Acrescente-se ao fato a desconfiança de (alguns) professores ao questionarem, por exemplo, a autoria de seus textos e a insistência para que o aluno se matricule em cursos para aperfeiçoamento da língua portuguesa, ignorando sistematicamente ser esta a sua segunda língua. Chegaram a sugerir com insistência que o aluno trocasse o curso de medicina pelo curso de letras-libras, mas o aluno ressaltou que suas necessidades não estavam sendo respeitadas e consideradas. Além do acima descrito, há um recorrente questionamento sobre como ele fará para obter o CRM, esquecendo que é a conclusão/aprovação do CURSO que garantirá o seu registro profissional. Chegam mesmo a questionar “como conseguirá cumprir suas obrigações profissionais sendo pessoa surda, o que ao nosso ver extrapola as funções da instituição, caracterizando conduta inaceitável do corpo docente. O aluno destacou que suas necessidades não estavam sendo consideradas. No início de 2021 Matheus firmou com a universidade que procuraria uma fonoaudióloga bilingue para que tivesse mais suporte e tentaria de alguma forma chamar atenção da coordenação e professores da Universidade para essa grave situação de descumprimento  da lei.

Para agravar a difícil trajetória de Matheus no curso de medicina, ele pontuou nota 4,94 em determinada matéria e foi reprovado por 0,06. Com essa nota indiretamente foi dito a ele: “Não vou permitir a você passar nessa disciplina porque você não sabe português!”. Matheus parece estar sendo coagido a desistir do curso.

 

No primeiro trimestre de 2020 foi feita uma matéria sobre um aluno surdo estudante de medicina, sem colocar o nome. Descreveram toda a história de Matheus com um discurso muito bonito mas para se promover somente pois na prática o que foi falado não ocorre na universidade. Matheus não foi comunicado sobre esta pesquisa e a publicação

NOSSAS CONSIDERAÇÕES

O relato de Matheus deixa transparecer é que as suas necessidades têm sido ignoradas pela universidade de forma reiterada e vem crescendo atitudes de não-diálogo sobre o fornecimento por parte do Poder Público dos suportes previstos pela Legislação vigente.

Esta carta tem o objetivo de reforçar junto a Matheus que ele não está sozinho pois muitos profissionais compreendem a falta de acessibilidade provida pela UFRJ. Ressaltamos que o relato do aluno mostra que ele tem sido deixado de lado e que está sendo coagido pela Universidade e que esta situação de enfrentamento precisa ser resolvida.

No Brasil, além de Matheus existem mais dois alunos surdos em curso de medicina: um em Minas Gerais e outro em Mato Grosso. Segundo a Lei Brasileira de Inclusão a adaptação das aulas deve ser garantida a pessoa com deficiência auditiva em qualquer nível de ensino. Em Minas Gerais a Universidade fez adaptações para o aluno , mas que chegou-se a este ponto depois de muita luta. As aulas são gravadas e transcritas pelos intérpretes para o aluno surdo para que  não ocorram maiores perdas. Esse aluno de Minhas Gerias é acompanhado por três intérpretes. Os profissionais têm dificuldades com os termos mais técnicos e ara a melhoria do trabalho dos intérpretes é preciso uma preparação para que conheçam mais a área da medicina. A UFRJ / Campus Macaé, precisa compreender a especificidade linguística de Matheus e não atribuir ao mesmo barreiras institucionais que devem ser removidas pela UNIVERSIDADE.

Consideramos que o curso de medicina da UFRJ deve proporcionar acessibilidade ao aluno Matheus já que, de forma legítima, ele foi aprovado no acesso à Universidade e já conseguiu ser aprovado em 03 períodos com o apoio da língua brasileira de sinais, a LIBRAS.

A Legislação brasileira foi estabelecida com o propósito de enfrentar a discriminação e o preconceito, garantindo a percepção de Matheus como sujeito de direitos, assegurando a diversidade da condição humana.

Esperamos que a história de luta de Matheus redunde em uma tomada de consciência e a necessária adaptação do currículo do curso de medicina possibilitando assim inclusão das pessoas com deficiência dentro do espaço da Universidade. Sugerimos para tanto que a coordenação coloque por exemplo um professor bilíngue (Libras-Língua Portuguesa) dentro do curso para viabilizar este trabalho de inclusão.

Sabemos que a dificuldade com o orçamento é uma realidade das Universidades públicas no Brasil e também das contratações de profissionais intérpretes de Libras. Porém as contratações precisam estar dentro das prioridades das estratégias do ambiente universitário para que se atenda às necessidades de pessoas com deficiência, respeitando o direito de acesso à educação da pessoa com deficiência no ensino superior.

Todos esperamos que os argumentos que trazemos à presença das diferentes instâncias da UFRJ, consigam sensibilizá-las contribuindo para que se difunda na sociedade nova mentalidade sobre a cobrança da oralidade de uma pessoa com deficiência auditiva e que juntos avancemos na compreensão do que realmente representa a cultura de uma pessoa com deficiência auditiva.

É imperioso que haja a revisão imediata dos critérios adotados para o processo de avaliação de Matheus, adotando os princípios da justiça restaurativa, evitando que os evidentes prejuízos se somem aos aspectos que se assemelham ao que podemos arguir como discriminação de um sujeito de direitos amparado pela legislação vigente.

Na certeza da correção desse processo avaliativo, recorremos as instâncias locais por acreditarmos que os fatos acima relatados são a expressão da verdade.

Atenciosamente,

Subescrevem esse documento e assinam:

 

 

 

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