SOLIDARIEDADE AOS ADOLESCENTES ENTRE 15 E 18 ANOS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E DE 18 A 29 ANOS EGRESSOS DESSE SISTEMA PELO ALCANCE DA MAIORIDADE QUE MERECEM PREVISÃO DE RESERVA EXCLUSIVA EM ESTÁGIO E POSTOS DE TRABALHO
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID vem a público alertar sobre as propostas do “Programa Garantia Jovem” (subscrito pela Secretaria Nacional da Juventude) e de uma Medida Provisória (assinada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos), apresentadas ao Conselho Nacional da Juventude, dispondo sobre garantias de acesso ao trabalho, profissionalização, educação, moradia e renda destinadas a adolescentes entre 15 e 18 anos em acolhimento institucional e de 18 a 29 anos egressos desse sistema pelo alcance da maioridade.
O alerta dirige-se às alterações em diversas leis, especialmente a Lei nº 11.788/2008 que trata do estágio e o artigo 93 da Lei nº 8.213/1991 que trata da reserva de postos de trabalho, em detrimento a direitos conquistados de pessoas com deficiência.
O programa Garantia Jovem, da Secretaria Nacional da Juventude, é importante e necessário para promover a dignidade e garantir direitos aos adolescentes e jovens do sistema de acolhimento institucional. Porém, nenhum programa governamental pode afetar o direito de outros grupos também merecedores de iguais oportunidades. Os programas, ao contrário, precisam ser elaborados com base em critérios de transversalidade e interseccionalidade de maneira a contemplar a todos e todas.
As pessoas com deficiência e suas entidades representativas não foram chamadas para participarem do processo de discussão para a elaboração do programa e das alterações importantes propostas na legislação em vigor.
A proposta da MP traz o antigo termo “pessoa portadora de deficiência”, sequer se preocupa com a utilização do termo humano da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Dentre as medidas constantes da proposta de MP há alterações importantes que afetam os direitos conquistados de pessoas com deficiência. São elas:
1) O artigo 5º da MP altera o parágrafo 5º do artigo 17 de Lei nº 11.788/2008, dizendo que “fica assegurado o percentual de 10% (dez por cento) das vagas oferecidas pela parte concedente do estágio às pessoas portadoras de deficiência ou aos jovens que ocupam programas de acolhimento”.
Significa dizer que a pessoa que concede (concedente) do estágio poderá optar entre uma pessoa com deficiência ou um jovem em programa de acolhimento em desajuste com o fundamento principal da ação afirmativa que é destinar 10% das vagas para pessoa com deficiência.
A medida de ação afirmativa, quando existente, visa a distinguir um grupo de pessoas e considera-lo em vista de suas particularidades e falta de participação social para o resultado desejado – no caso a reserva (cota) em estágio previsto no parágrafo 5º da Lei nº 11.788/2008 é dirigida às pessoas com deficiência.
Pode ser prevista também uma ação afirmativa para as pessoas jovens que ocupam programas de acolhimento mas, sem que os grupos a que se destina o percentual 10% disputem entre si e fiquem a mercê da escolha do concedente do estágio.
Equivoca-se a proposta de MP ao deixar que o concedente do estágio decida se cumprirá seus 10% de vagas de estágio com pessoas com deficiência ou jovens em situação de acolhimento.
2) O artigo 6º da MP altera o artigo 93 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, dizendo que empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados, pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, ou jovens de até 29 (vinte e nove) anos egressos do sistema de acolhimento institucional por atingimento da maioridade na seguinte proporção: I – até 200 empregados, 2%; II – de 201 a 500, 3%; III – de 501 a 1.000, 4%; IV – de 1.001 em diante, 5%.
Acrescenta no parágrafo 1º, em linguagem dissonante da Convenção e da LBI, que “A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ou do jovem egresso do sistema de acolhimento institucional ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituo em condição semelhante”.
Triste comemoração para o artigo 93 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, conhecida como “Lei da Cota”, que no próximo dia 24/julho completa 29 anos de existência e muita luta para a sua manutenção!!!
Será que comemoraremos a lei de reserva (cota) de cargos nas empresas com cem ou mais empregados com a quebra do princípio da progressividade do direito?
Inconcebível, especialmente se a proposta de alteração é elaborada por uma pasta de governo (Secretaria da Juventude do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) que tem como atribuição articular com as pessoas com deficiência, suas entidades representativas e seu conselho de direitos (o Conade) para garantir a proteção e progressividade dos direitos das pessoas com deficiência, observada a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de natureza constitucional, e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência!!!
Repita-se que a medida de ação afirmativa quando existente visa a distinguir um grupo de pessoas e considera-lo em vista de suas particularidades e falta de participação social para o resultado desejado – no caso a reserva (cota) de cargos para pessoas com deficiência e beneficiário reabilitado da Previdência Social em empresas com cem ou mais empregados.
Além dos desusados termos “pessoa portadora de deficiência” ou “deficiente”, da proposta consta somente “beneficiários reabilitados”, esquecendo-se do precioso termo “Previdência Social”, acrescenta à ação afirmativa exclusiva para pessoa com deficiência e beneficiário reabilitado da Previdência Social o grupo de jovens de até 29 (vinte e nove) anos egressos do sistema de acolhimento institucional por atingimento da maioridade.
Repita-se, pode ser prevista também uma ação afirmativa para o grupo de “jovens de até 29 (vinte e nove) anos egressos do sistema de acolhimento institucional por atingimento da maioridade” mas, nunca em disputa com a reserva de cargos (cota) de pessoas com deficiência e beneficiários reabilitados da Previdência Social.
A reserva (cota) de cargos em empresas com cem ou mais empregados é norma de ordem pública e tem destinação dirigida a um grupo de pessoas específicas, e não pode ficar à mercê da escolha do empregador a contratação de um grupo de pessoas ou de outro.
Alerta-se para a indispensável revisão do Programa Garantia Jovem.
Brasília, 21 de julho de 2020.
Maria Aparecida Gugel – Presidenta
Gabriele Gadelha Barboza de Almeida – Vice-Presidenta
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