Nota sobre o Marco Conceitual da Política Nacional de Cuidados
A partir do Decreto 11.460/2023, de 30/03/2023, foi criado o Grupo de Trabalho
Interministerial – GTI Cuidados – coordenado pela Secretaria Nacional da Política de
Cuidados e da Família (SNCF/MDS) e pela Secretaria Nacional de Autonomia
Econômica e Política de Cuidados (SENAEC/MMulheres), com a missão de formular,
coordenar e fazer a gestão da Política Nacional de Cuidados, incluindo seus planos,
programas e projetos, orçamentos e metas.
A Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Rede-In) cumprimenta
o GTI Cuidados pela oportuna iniciativa. Somos uma organização composta por 14
entidades da sociedade civil em âmbito nacional, que atua para que a inclusão seja uma
prática cotidiana e alinhada à Constituição Federal e à Convenção Internacional sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Com o intuito de contribuir para a construção do Marco Conceitual da Política
Nacional de Cuidados do Brasil, destacamos alguns aspectos que consideramos de alta
relevância para a garantia do exercício dos direitos das pessoas com deficiência:
1. Ainda que o termo cuidado seja polissêmico e que esse aspecto tenha sido
cuidadosamente tratado na seção sobre seu conceito, o texto não traduz a
complexidade dos cuidados para as pessoas com deficiência. Utilizando, ao
contrário, uma representação social capacitista da deficiência. O cuidado para
uma pessoa com deficiência vai além do apoio às atividades de vida diária e deve
contribuir para a redução das barreiras de acesso e da reprodução da lógica
segregadora, levando sempre em conta as vontades e escolhas dessas pessoas.
Cuidar e ser cuidado, nesse sentido, requer vigilância para possíveis efeitos
indesejados que as práticas do cuidado podem conduzir.
2. Pessoas com deficiência representam uma parcela grande da sociedade (18,6
milhões de pessoas com 2 anos ou mais), com características e necessidades
muito diversas, o que pressupõe o conhecimento dos vários aspectos que o
cuidado requer. A maneira mais simples e prevista na Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para que o cuidado seja
adequado às necessidades é consultá-los sobre o que precisam (“Nada sobre
Nós sem Nós). O foco deve estar, sempre que possível, colocado nas estratégias
de aquisição e reforço da autonomia – como indicado no item 4.3 Princípios e
Diretrizes do Marco Conceitual da Política de Cuidados.
3. Nos casos em que a pessoa com deficiência necessita de cuidado permanente
de um familiar, esse deve também ser escutado porque, muitas vezes, as
melhorias e/ou soluções no entorno promovem um ganho de qualidade de vida
para ambos. Exemplo típico são as dificuldades de deslocamento para escolas,
centros de tratamento e locais públicos para lazer.
4. A seção sobre as organizações sociais do cuidado considera “crise do cuidado”
a injustiça e desigualdade social que sobrecarregam as mulheres de baixa renda
que não possuem acesso a uma adequada rede de cuidados. Esse retrato cruel
da estrutura da sociedade brasileira evoca a “criação de uma sociedade de
cuidados, que coloque o cuidado no centro da vida e das práticas
democráticas”. Essa abordagem amplia o conceito de cuidado e poderia dificultar
a elaboração de propostas mais concretas levando em conta as necessidades
específicas das pessoas com deficiência e seus familiares/cuidadores.
5. É válido e nobre destacar o impacto positivo gerado para a toda a sociedade a
partir do cuidado para e com as pessoas. Todos ganham! Entretanto, além do
compromisso com princípios e valores que permitem a construção da sociedade
que queremos, a política de cuidados precisa indicar o caminho para que o
trabalho seja constante, progressivo, consequente e, portanto, de construção
contínua para a provisão de cuidados adequados e de qualidade para a
pessoa que o recebe, ou para sua família.
6. A tipologia dos cuidados é bastante completa e bem estruturada. Caberia refletir
sobre a articulação com outros setores que possam atender as necessidades
específicas das pessoas com deficiência, pessoas idosas e todas as pessoas que
precisam de formas diversas de acesso a serviços ou informação. Uma espécie
de “O Cuidado em Todas as Políticas”.
7. A Rede In manifesta total acordo com os princípios do “direito universal que, ao
ser materializado por meio de políticas públicas, deve ser compreendido a partir
do princípio do universalismo progressivo e sensível às diferenças”.
8. Entretanto, ao definir os públicos prioritários, sobressai o aspecto do cuidado que
utiliza a “assistência, apoios e auxílios para o desenvolvimento das atividades
básicas e instrumentais da vida diária” para as pessoas com deficiência como
conceito central. Não está contemplado, por exemplo, a possibilidade de oferta de
serviços de apoio para o desenvolvimento de autonomia e habilidades para que
pessoas com deficiência possam passar a viver sua própria vida quando chegarem à idade adulta.
Assistência é, também, um termo polissêmico e deve-se evitar seu uso atrelado ao capacitismo.
9. Finalmente, a seção Princípios e Diretrizes trata de forma adequada e correta
os conceitos desejáveis para pensar uma política de cuidados para as pessoas
com deficiência. Cita corretamente os conceitos de promoção da autonomia e
anticapacitismo. No entanto, a prática e tendência de que essa política apenas
organize os cuidados já conhecidos e estabelecidos pode colocar em risco uma
oportunidade para olharmos com cuidado para o cuidado que remove barreiras,
ajudando a libertar e incluir as pessoas com deficiência na sociedade.
Na certeza de que as ponderações apresentadas serão consideradas,
subscrevemos este documento.
REDE BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA*
*Compõem a Rede-In: Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas; Associação Amigos Metroviários
dos Excepcionais – AME-SP; Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de
Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade – APABB; Associação Nacional de Emprego
Apoiado – ANEA; Associação Nacional de Membros(as) do Ministério Público em Defesa das
Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID; Coletivo Brasileiro de Pesquisadores e Pesquisadoras
dos Estudos da Deficiência – MANGATA; Escola de Gente – Comunicação em Inclusão; Federação
Brasileira das Associações de Síndrome de Down – FBASD; Instituto JNG – Moradia para Vida
Independente; Instituto Jô Clemente – IJC; Instituto Rodrigo Mendes; Mais Diferenças – Educação
e Cultura Inclusivas; Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e Com Baixa Visão – MBMC; Rede
Brasileira do Movimento de Vida Independente – Rede MVI e Visibilidade Cegos Brasil.
Para acessar o documento em PDF, clique aqui
Documento encaminhado à Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família, em 15 de dezembro de 2023