Nota Pública de Apoio ao Projeto de Emenda Constitucional nº 229/2019

 

07 de março de 2022

 

NOTA PÚBLICA DE APOIO AO PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 229/2019

A Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência – AMPID, por meio desta nota pública de apoio, manifesta-se favoravelmente à aprovação do Projeto de Emenda Constitucional – PEC nº 229/2019, que dispõe sobre a Licença Parental Compartilhada, com alteração do inciso XVIII do artigo 7° da Constituição da República e revoga o inciso XIX da Constituição da República e o § 1° do art. 10 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias para dispor sobre a Licença Parental Compartilhada, de autoria da Exma. Senadora Eliziane Gama (CIDADANIA/MA:

Considerando que o Brasil é um Estado Democrático de Direito constitucionalmente comprometido com a promoção do bem de todos e todas, sem preconceitos de  gênero, origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, bem assim com a erradicação da pobreza e da marginalização, como garantia do desenvolvimento nacional e na perspectiva de construção de uma sociedade sem discriminações, mais igualitária, livre, justa e solidária (Constituição da República, art. 3º, I, III e IV);

Considerando a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que reconhece estarem as pessoas com deficiência expostas a múltiplas formas de discriminação, especialmente as mulheres com deficiência para quem o Estado Parte deve tomar todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento, avanço e o empoderamento a fim de lhes garantir o exercício e o gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (Artigo 6);

Considerando que a CDPD em seu preâmbulo aponta a família como sendo o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito de receber a proteção da sociedade e do Estado e de que as pessoas com deficiência e seus familiares devem receber a proteção e a assistência necessárias para tornar as famílias capazes de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência, inclusive prevenindo contra a exploração, a violência e o abuso (Artigo 16);

Considerando o artigo 8º da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) indica ser dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos, dentre outros, à paternidade e à maternidade;

Considerando as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)  100 concernente à Igualdade de Remuneração para a mão de obra Masculina e a mão de obra Feminina por um Trabalho de Igual Valor, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 41.721, de 28/06/1957; 111 concernente à Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão, promulgada pelo Decreto  nº 62.150, de 19/01/1968; 156 concernente à Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Trabalhadores e Trabalhadoras com Responsabilidades Familiares, de 3 de junho de 1981, com vigência em 11 de agosto de 1983, e da sua Resolução 165 sobre a Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Trabalhadores e Trabalhadoras com Responsabilidades Familiares, de 23 de junho de 1981 que impulsionam a igualdade de oportunidades e direitos e recomendam “uma legislação nacional com licença parental, remunerada e de duração adequada, que pode ser tirada após a licença- -maternidade, por ambos os cônjuges, de modo sequencial e de forma compartilhada, sem a perda do emprego e conservando os direitos que dele derivam. Esse tipo de medida permitiria aos homens assumir maiores responsabilidades na criação dos/as filhos”[1];

Considerando a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, de 09 de junho de 1994, promulgada pelo Decreto nº 1.973, 01-08-96 e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, Decreto nº 4.377, 13 de setembro de 200;

Considerando os dados da Organização das Nações Unidas (ONU)[2] e da OIT[3] de que há em âmbito mundial a necessidade de igualdade de gêneros, em especial no que concerne a remuneração e trabalho, sendo esta uma das metas da agenda da  ONU 2030, à qual o Brasil é aderente, pela igualdade de gênero em termos mundiais;

Considerando que no Brasil, segundo o IBGE[4] na pesquisa Estatísticas de Gênero – Indicadores Sociais das Mulheres (2016), constatou-se que o  trabalho do gênero feminino é remunerado em média  72,7%  a menor do que é pago para homens, sendo a diferença salarial média entre homens e mulheres para as mesmas funções é em torno de R$ 500,00 a mais para os homens;

Considerando, as informações do Banco Mundial[5] de que o Brasil é um dos piores países em diferença de renda entre homens e mulheres, cuja assimetria de remuneração é um dos fatores para a formação de minorias discriminadas e subalternizadas, implicando em acúmulo de jornada de trabalho para a mulher em ambientes externo e no lar, este ainda tido como exclusivo da mulher e sem compartilhamento pelo homem;

Considerando que a mulher é a única a sair de licença por ocasião do nascimento dos filhos – licença à gestante -, há necessidade de ressignificação destes chamados papéis fixos de gênero[6];

Considerando que no âmbito do serviço público há assimetrias profundas de ocupação de cargos de poder[7]  entre o gênero feminino e o masculino decorrente também das chamadas duplas e triplas jornadas femininas[8] o que ocorre também na parca representação de mulheres em âmbito de Congresso Nacional[9] e na política em geral;

Considerando que atualmente a licença à gestante é de 120 dias sendo, os períodos de licença para o pai  são de 5 dias (art.10, §1º, da ADCT) e da mãe 120 dias, e caso haja a adoção do programa Empresa Cidadã previsto na Lei nº 11.770/2008 (e Lei nº 13.257/2016) a licença à gestante passa de 120 para 180 dias ficando para o pai 20 dias e 180 dias para a mãe, cuja fórmula já foi absorvida para o serviço público federal e vários Estados;

Considerando que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê a transferência da licença gestante da mulher para o homem (artigo 392-B) somente no caso de morte da genitora;

Considerando que a substituição da licença-maternidade pela Licença Parental Compartilhada, situação em que os pais decidem quem ficará com o(a) filho(a) e durante quanto tempo com cada um e, assim, permitir a igualdade na continuação das carreiras profissionais e maior convivência de ambos com a criança,

A AMPID apoia integralmente o Projeto de Emenda Constitucional – PEC nº 229/2019 que dispõe sobre a Licença Parental Compartilhada, pois entende haver relevância da matéria e do seu disciplinamento legal como mecanismo de implementação do princípio constitucional da proteção integral à criança com a participação de ambos genitores ou adotantes nos primeiros cuidados, ampliando, inclusive, a proteção da família com filhos com deficiência e o acesso/permanência da mulher com deficiência ao mercado de trabalho, em condições de igualdade de oportunidade e remuneratória.

Rio de Janeiro, 8 de março de 2022

Cristiane Branquinho Lucas, Presidenta da AMPID

[1]  OIT. Las mujeres siguen teniendo menos posibilidades que los hombres de participar en el mercado de trabajo en gran parte del mundo. Disponível em: http:// www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/WCMS_619550?lang=es. Acesso em: 17 abr. 2019 . OIT, 2009, p. 111.

[2] Acesso em https://www.onumulheres.org.br/planeta5050/ , em 26-2-2022: “Em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Com 17 objetivos globais, os Estados-membros aprovaram um plano de ação para promover o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza. Foram definidas 169 metas globais com foco nas pessoas, no planeta, na prosperidade e na paz mundial. As metas para o alcance da igualdade de gênero estão concentradas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 e transversa lizadas em outros 12 objetivos globais. Em apoio à Agenda 2030, a ONU Mulheres lançou a iniciativa global “Por um planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero”, com compromissos concretos assumidos por mais de 90 países. Construir um Planeta 50-50 depende que todas e todos – mulheres, homens, sociedade civil, governos, empresas, universidades e meios de comunicação – trabalhem de maneira determinada, concreta e sistemática para eliminar as desigualdades de gênero.”

[3]Acesso em https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/—ilo-brasilia/documents/publication/wcms_229658.pdf , em 26-2-2022.

[4]-Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html?=&t=resultados .  Acesso em 7 abr. 2019.

 

[5] – Fonte: Gender at work: a companion to the World Development Report on Jobs, 2013, p. 18, WORLD BANK, 2013, p. 17-21, Disponível em  https://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/Event/ Gender/GenderAtWork_web2.pdf

 

[6] -SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. O feminismo e seus frutos no Brasil, in SADER, Emir (org.) Movimentos Sociais na transição democrática. SP: Cortez, 1986.

 

[7] -LOPES, Ludmila Reis Brito, Políticas para a promoção de participação feminina em cargos de mando e decisão, in  ARAUJO, Adriane Reis, LOPES, Andrea Lino, GUGEL, Maria Aparecida e COELHO, Renata. Direitos Humanos no Trabalho pela Perspectiva da Mulher. BH: RTM, 2019.

 

[8]– LORENTZ, Lutiana Nacur. Licença Parental: Uma Necessidade para a Simetria de  Gêneros no Brasil, in CASTILHO, Ela Viecjo, OMOTO,  João Akira,  VIEGAS E SILVA, Marisa e LEIVAS, Paulo Gilberto (org.), Perpectivas  de Gênero e o Sistema de Justiça Brasileiro. Brasília:ESMPU, 2019.

 

[9] – Os Paradoxos do Feminismo e o Trabalho Digno do Gênero Feminino. LORENTZ, Lutiana Nacur  in DELGADO, Gabriela Neves (org.). Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século XXI. SP: LTr, 2020, vol. I.

Brasília, 01 de fevereiro de 2022

 

Cristiane Branquinho Lucas, Presidenta AMPID

 

Para acessar esta Nota em PDF, clique aqui: NotaApoioLicençaParentalCompartilhada_2022

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