NOTA PÚBLICA DE REPÚDIO AO PL 134/2019, QUE PROPÕE A ALTERAÇÃO DO § 2º, DO ARTIGO 35, DO ESTATUTO DO IDOSO, QUE TRATA DO LIMITE DE PARTICIPAÇÃO DA PESSOA IDOSA NO CUSTEIO DE ILPI FILANTRÓPICA
O Projeto de Lei 134/2019[1] , que dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes e regula os procedimentos referentes à imunidade de contribuições à seguridade social de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição Federal, encontra-se em tramitação, aguardando sanção presidencial. O referido PL traz, em seu artigo 31, § 6º, redação permitindo que se exceda o limite de cobrança de participação da pessoa idosa no custeio da ILPI filantrópica ou casa lar, ou seja, os 70% previstos no § 2º, do artigo 35 do Estatuto do Idoso:
A Frente Nacional de Fortalecimento das Instituições de Longa Permanência para Idosos, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID, o Portal do Envelhecimento , a Associação Nacional de Gerontologia do Paraná – ANG-PR e o Fórum Paranaense da Pessoa Idosa, vêm a público, por meio da presente nota, externar preocupação e repúdio à proposta de alteração do percentual de contribuição por parte da pessoa idosa nos contratos de prestação de serviços com as ILPIs privadas e sem fins lucrativos, que ofertam serviços de assistência social.
No Sistema de Seguridade Social previsto na Carta da República, a Assistência Social possui caráter não contributivo, sendo este regime uma modalidade de proteção social de caráter universal, estabelecido para o suporte às pessoas em situação de vulnerabilidade social e/ou com risco pessoal.
Atualmente, grande parte das pessoas idosas não possui condições financeiras que lhe garanta uma sobrevivência digna, eis que geralmente vivem de benefícios assistenciais, como o de Prestação Continuada (BPC) ou previdenciários, que não ultrapassam o valor de um salário mínimo. Além disso, sofrem com a ausência de uma Política Nacional de Cuidados Continuados, apesar de demandarem, muitas vezes, cuidados cotidianos que inclusive justificam a sua institucionalização em ILPI filantrópica, integrante do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Nestes casos, ao residirem em uma ILPI filantrópica ou Casa Lar, a pessoa idosa deve arcar, para o custeio dessa entidade, com até 70 % do seu benefício previdenciário ou assistencial, em conformidade com o que estabelece o artigo 35, §§ 1º e 2º, do Estatuto do Idoso.
Tal permissão legal para a contribuição no custeio dos serviços socioassistenciais ofertados, consiste na única exceção ao regime não contributivo da Assistência Social.
O Estatuto do Idoso, em seu artigo 3º, preconiza que é obrigação do Poder Público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à vida, à saúde, à cultura, ao lazer, à dignidade. A limitação de contribuição de 70% sob os ganhos da pessoa idosa não foi imposta à toa, sendo a intenção do legislador garantir a RESERVA do MÍNIMO EXISTENCIAL PARA A PESSOA IDOSA TER UMA VIDA DIGNA e poder usufruir dos direitos que lhe são assegurados na Constituição e na Lei Federal.
Indubitavelmente, os serviços ofertados pelas ILPIs beneficentes são os mais onerosos de todo o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), primeiro pelas fragilidades que a maioria da população idosa institucionalizada apresenta, segundo pelos serviços ofertados serem de caráter híbrido, com a participação das políticas de Assistência Social e de Saúde, o que demanda do Poder Público um cofinanciamento digno e suficiente para a execução destes serviços, o que não se observa na prática.
O SUAS hoje oferece, em âmbito federal, um repasse mensal por idoso institucionalizado que não é atualizado desde 2007 e atualmente representa apenas 4 a 6% do valor do salário-mínimo vigente. Soma-se a isso o fato do SUS não participar, com repasse de verbas e/ou com a oferta de profissionais de saúde ao “Serviço Socioassistencial de Acolhimento Institucional”, deixando de contribuir para garantir uma vida digna aos idosos que ali residem.
Verifica-se que segundo o PL 134/2019 (art. 31, parágrafo 6°, incisos I, II, III), a pessoa idosa poderá ser descontada em mais de 70% da sua renda, podendo chegar a 100% a sua contribuição para custeio de entidade filantrópica, sendo imputado pelo referido projeto à pessoa idosa o seu próprio custeio, eximindo-se o Poder público de sua responsabilidade constitucional de prestar assistência aos mais necessitados em decorrência da idade avançada (Art. 230 da CRFB 1988).
Sendo aprovado referido Projeto de Lei, haverá ainda indiscutível tratamento diferenciado entre as pessoas idosas curateladas e as não curateladas.
Isto porque o PL 134/2019 estabelece tratamento diferenciado e discriminatório entre pessoas idosas curateladas e as não curateladas, prevendo que no primeiro caso será possível contribuir com valores acima de 70% sob os ganhos advindos de benefícios previdenciários ou assistenciais, ao passo que os não curatelados contribuirão para o custeio da ILPI ou Casa Lar em percentual que não poderá ultrapassar os 70% previstos em lei.
Há, assim, flagrante inconstitucionalidade do referido Projeto de Lei, eis que vedado pela nossa Constituição a promoção de TRATAMENTO DIFERENCIADO E DISCRIMINATÓRIO ENTRE QUAISQUER PESSOAS em decorrência da condição de saúde de uma delas, como também flagrante ilegalidade, uma vez que segundo estabelece a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.346/15), é assegurado à pessoa com deficiência proteção de toda forma de discriminação, tendo a mesma direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas, não sendo viável o aumento do percentual contributivo para o custeio da ILPI pelo fato da pessoa ser curatelada. Frise-se, por oportuno, que a curatela se “constitui medida extraordinária, que deve ser evitada, segundo o que estabelece o § 2º, do artigo 85 da LBI, devendo sempre constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado”.
Portanto não existe fundamentação jurídica, lógica e nem coerência para que se permaneça garantindo a reserva do mínimo existencial apenas para a pessoa idosa que não esteja curatelada, uma vez que é justamente a pessoa idosa com deficiência mental ou intelectual curatelada que demandará maiores cuidados e gastos consigo mesma, ou seja, acesso a seus rendimentos a um percentual maior do que o estabelecido no Estatuto do Idoso.
Com essa proposta de alteração legislativa o Poder Público deixará, mais uma vez, de adotar medidas efetivas que promovam formas de auxiliar as entidades que ofertam serviços de assistência social, sendo incontroverso que a lei já nascerá eivada de vício de inconstitucionalidade e ilegalidade, eis que em total afronta ao princípio do respeito à liberdade, autonomia, dignidade e não discriminação da pessoa idosa (artigos 1º, inciso III, 5º da Constituição Federal, 10 do Estatuto do Idoso e 4º do Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Por essa razão é que solicitamos aos senhores parlamentares e ao chefe do Poder Executivo a adoção das medidas necessárias à não aprovação do § 6º, do artigo 31, Projeto de Lei nº 134/2019.
Brasília (DF), 14 de dezembro de 2021.
Cristiane Branquinho, Presidenta AMPID, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência
ANG-PR – Associação Nacional de Gerontologia do Paraná
Frente Nacional de Fortalecimento das Instituições de Longa Permanência para Idosos.
FPPI – Fórum Paranaense da Pessoa Idosa
Portal do Envelhecimento
Notas:
[1] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/150781
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