Nota de Repúdio ao Edital Nº 4, de 23 de agosto de 2023, para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva a cargos efetivos da Câmara dos Deputados

NOTA DE REPÚDIO AO EDITAL Nº 4, DE 23 DE AGOSTO DE 2023, PARA PROVIMENTO DE VAGAS E FORMAÇÃO DE CADASTRO DE RESERVA A CARGOS EFETIVOS DE CONSULTORES(AS) LEGISLATIVO E DE ORÇAMENTO E FISCALIZAÇÃO FINANCEIRA DO QUADRO DE PESSOAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID) toma ciência do Edital n° 4/2023 de concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva para os cargos efetivos de Consultores(as) Legislativo e de Orçamento e Fiscalização Financeira do quadro de pessoal da Câmara dos Deputados, organizado pela FGV Conhecimento, pois: 1. DA PREVISÃO DA RESERVA DE VAGAS EM PERCENTUAL MÍNIMO DE 5% No item 1.4 do Edital n° 4/2023, repetido no item 6.1.1, há previsão de apenas 5% (cinco por cento) de vagas reservadas a candidatos e candidatas com deficiência. Embora o edital invoque as leis de regência (§ 2º do art. 5º da Lei nº 8.112/1990, do § 1º do art. 1º do Decreto nº 9.508/2018 e suas alterações, e do Decreto nº 3.298/1999 e suas alterações), esqueceu-se a administração da Câmara dos Deputados de avaliar o seu quadro de pessoal, em especial para os cargos de maior complexidade, e notar a insuficiência/ausência de servidores(as) com deficiência. Esta prática, infelizmente, é repetida no âmbito da Administração Pública, em especial nos Poderes da República.

Espera-se que a cada concurso público realizado, o Poder Legislativo/Câmara dos Deputados eleja o percentual de reserva máximo, de 20%, devidamente ajustado com a entidade contratada para a realização do processo de concurso público (a FGV Conhecimento), para dar efetividade à ação afirmativa de reserva de cargos e, em curto espaço de tempo, poder ter em seus quadros de carreira número representantivo de pessoas com deficiência em cargos de tal complexidade, como os ofertados, e desempenhando funções junto à Casa do Povo. O item 6.1.2, ao tratar do arredondamento do número da vaga após aplicação do percentual cria limitação do percentual das próprias vagas ofertadas – no caso não poderá ultrapassar 20% dos 5% das vagas oferecidas -. Essa inovadora prática restringe o acesso de pessoas com deficiência ao concurso público e contraria o princípio da ação afirmativa prevista constitucionalmente e legalmente. A Lei nº 8.112/1990 em nenhum momento faz esta restrição. Deste modo, referida cláusula viola o princípio da legalidade, segundo o qual a Administração só pode fazer aquilo que estiver autorizado por lei.

6.1.2 Caso a aplicação do percentual de que trata o subitem 6.1.1 resulte em número fracionado, este será elevado até o primeiro número inteiro subsequente, desde que não ultrapasse 20% das vagas oferecidas, nos termos do § 2º do art. 5º da Lei nº 8.112/1990, combinado com o § 3º do art. 1º do Decreto nº 9.508/2018. Em decorrência do mitigado percentual de 5% de vagas reservadas, está precária a previsão de aplicação do critério de proporcionalidade em vagas reservadas para as nomeações, tal como consta do item 17.3.2, lembrando que a ação afirmativa de reserva de cargos para pessoas com deficiência prevista na lei decorre de seu caráter constitucional (artigo 37, inciso XXXVIII da Constituição da República). Portanto, a alternância entre as listas geral e outras listas de reservas de cargos deve iniciar sempre com a lista de pessoas com deficiência.
17.3 A nomeação dos candidatos com deficiência e dos candidatos negros aprovados e classificados no Concurso observará a proporcionalidade prevista em lei, em cada área temática da Consultoria legislativa e na Consultoria de Orçamento e Fiscalização,considerado o número de vagas previsto na tabela do item 3.1, de acordo com a seguinte ordem:
17.3.1 para as pessoas negras, será destinada a 3ª vaga e, na sequência, a 8ª vaga, a 13ª vaga, a 18ª vaga e, assim sucessivamente, de 5 em 5 vagas;
17.3.2 para as pessoas com deficiência, será destinada a 5ª vaga e, na sequência, a 25ª vaga, a 45ª vaga, a 65ª vaga e, assim sucessivamente, de 20 em 20 vagas;

2. DA AVALIAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL APLICADA DE FORMA ERRADA Verifica-se o total esquecimento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), norma de natureza constitucional, e Lei n° 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), que consideram deficiência os impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. A pessoa com deficiência será sempre avaliada por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, na forma do artigo 2º da LBI. A avaliação biopsicossocial não tem complemento ou nada a precede, como se verá a seguir. Ao mesmo tempo em que a norma editalícia exige a comprovação da deficiência pelo CID10, descarta o laudo médico, dizendo expressamente que este não garante a participação automática da pessoa com deficiência, conforme consta do item 6.1.3.1..
6.1.3 O candidato que desejar concorrer às vagas reservadas às pessoas com deficiência deverá marcar a opção no link de inscrição e enviar o laudo médico ou parecer específico, na forma do disposto no subitem 6.1.1 (imagem do documento original, em campo específico no link de inscrição), das 16h do dia 28 de agosto de 2023 até as 16h do dia 4 de outubro de 2023, de acordo com o horário oficial de Brasília/DF, no endereço eletrônico https://conhecimento.fgv.br/concursos/cdeputados23.
6.1.3.1 O fato de o candidato se inscrever como pessoa com deficiência e enviar laudo médico não configura participação automática na concorrência para as vagas reservadas, devendo o candidato passar por Avaliação Biopsicossocial promovida por equipe multiprofissional.
6.1.3.2 Somente serão aceitos os documentos enviados nos formatos PDF, JPEG e JPG, cujo tamanho não exceda 5MB. O candidato deverá observar as demais orientações contidas no link de inscrição para efetuar o envio da documentação.
6.1.4 O laudo médico ou parecer específico deverá conter:
a) a categoria da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), bem como a causa da deficiência;
b) a indicação de órteses, próteses ou adaptações, se for o caso;
c) a deficiência auditiva, se for o caso, devendo o laudo estar acompanhado de audiometria recente, datada de até 6 (seis) meses antes, contados em relação à data de início do período de inscrição;
d) a deficiência múltipla, se for o caso, constando a associação de duas ou mais
deficiências;
e) a deficiência visual, se for o caso, devendo o laudo estar acompanhado de exame de
acuidade em pelo menos um dos olhos, patologia e campo visual. Constata-se que o edital ignora a avaliação e definição biopsicossocial e opta pelo laudo médico para algumas das naturezas de deficiência, e deixa de considerar todas as pessoas com deficiência intelectual e mental.
Lembremos que a exigência de laudo médico como único documento hábil a comprovar a deficiência contraria o modelo biopsicossocial e implica em indevido e injustificável retrocesso ao modelo médico da deficiência, já superado. A alínea “e” exige que a deficiência visual seja acompanhada de laudo que apresente acuidade em pelo menos um dos olhos, o que pode levar à intepretação de que os candidatos(as) cegos(as) estariam impedidos de participar do certame. A exigência de acuidade visual em pelo menos um dos olhos não encontra amparo constitucional e legal e possibilita apenas a participação de pessoas com visão monocular, estando excluídas as pessoas com cegueira total e as pessoas com cegueira legal, ou quem ainda conserva algum resíduo visual, sem contudo poder ler textos em papel/tinta. Para qualquer das situações, não há justificativa para excluir a participação de pessoas sem acuidade visual e/ou permitir a participação daquelaspessoas que, mesmo com alguma escassa acuidade, também não possa realizar a leitura visual.
6.5 A classificação e a aprovação do candidato nas provas não garantem a ocupação das vagas reservadas às pessoas com deficiência, devendo o candidato, quando convocado, submeter-se a Avaliação Biopsicossocial,que será promovida por equipe multiprofissional, na forma do item 6.9, a ser realizada em Brasília/DF.
6.5.1 O resultado preliminar da Avaliação Biopsicossocial será divulgado no endereço eletrônico https://conhecimento.fgv.br/concursos/cdeputados23.
6.5.2 O candidato que for reprovado na Avaliação Biopsicossocial poderá interpor recurso no prazo de 2 (dois) dias úteis, contados do primeiro dia útil subsequente ao da divulgação do resultado, mediante requerimento dirigido à FGV por meio do endereço eletrônico https://conhecimento.fgv.br/concursos/cdeputados23.
6.5.3 O resultado definitivo da Avaliação Biopsicossocial será divulgado no endereço eletrônico https://conhecimento.fgv.br/concursos/cdeputados23.
6.6 A não observância do disposto no item 6.5, o não enquadramento na Avaliação Biopsicossocial da deficiência declarada ou o não comparecimento a esta acarretarão a perda do direito de concorrer às vagas reservadas aos candidatos com deficiência.
6.6.1 O candidato que prestar declarações falsas em relação à sua deficiência será excluído do processo, em qualquer fase deste Concurso, e responderá, civil e criminalmente, pelas consequências decorrentes do seu ato.
6.7 Conforme estabelecido na legislação vigente, o candidato que não se enquadrar como pessoa com deficiência na Avaliação Biopsicossocial, caso seja aprovado em todas as fases do Concurso, continuará figurando apenas na lista de classificação geral, desde que se encontre no quantitativo de corte previsto para ampla concorrência em cada etapa; caso contrário, será eliminado do Concurso.


6.9 O candidato não eliminado do Concurso que tiver a deficiência declarada confirmada na forma do subitem 6.3.2 será convocado para Avaliação Biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional da banca da FGV, composta por 3 (três) profissionais capacitados e atuantes nas áreas de deficiência que o candidato apresentar, dentre os quais 1 (um) médico, e por 3 (três) servidores efetivos da Câmara dos Deputados, designados pela comissão temporária constituída por meio da Portaria DG nº 133/2023, que emitirão parecer nos termos dos incisos do parágrafo único do art. 5º do Decreto nº 9.508/2018.
Outra impropriedade é a que está no item 6.5 do edital ao prever a aplicação da avaliação biopsicossocial a ser realizada posteriormente em Brasília/DF, por equipe multiprofissional, com caráter eliminatório. Um laudo, uma avaliação, uma junta, uma equipe jamais terão o poder de eliminar pessoas de um concurso público. Somente o desempenho na realização das provas é que levam a pessoa a não atingir a classificação e ser eliminada do certame.
Também não está claro se a exigência da avaliação por equipe multiprofissional é no decorrer do período de inscrição, durante ou ao final das provas pois o item 6.5, 6.7 e 6.9 são dúbios.

Referida avaliação biopsicossocial a posteriori, realizada por equipe multiprofissional sediada em Brasília/DF, será custeada pela entidade responsável pelo concurso público ou onerará o(a) candidato(a) com deficiência? A pessoa com deficiência deverá se deslocar para Brasilia/DF para uma aferição extemporânea e fora da exigência legal?

Registre-se que as atribuições de uma equipe multiprofissional durante as diferentes fases do concurso público é funcionar como apoio para ajustar as obrigações da FGV (entidade longa manus da Camara dos Deputados) cumprir a acessibilidade, o atendimento diferenciado e prioritário às pessoas com deficiência candidatas.

Se foi eleito o laudo médico (que não está correto nos itens 6.1.3 e 6.1.4) para a comprovação da deficiência, por qual razão elege-se outra avaliação com caráter eliminatório e parecendo ser exame admissional? Não faz sentido!
Registre-se também que uma vez concluído o concurso público, outra equipe multiprofissional terá atribuições específicas de aferir a acessibilidade do meio ambiente de trabalho, das condições de trabalho, das necessidades de fornecimento de tecnologia assistiva, da adaptação razoável eventualmente
necessária para a pessoa com deficiência, agora servidor ou servidora, durante o estágio probatório. Nenhuma dessas previsões está no edital.

A AMPID espera sejam, com urgência, procedidas as alterações dos conteúdos apontados em cada um dos itens citados porque violam o princípio da igualdade de oportunidades e do acesso de pessoas com deficiência ao concurso público.

Brasília, 8 de janeiro de 2023.

Cristiane Lucas Branquinho – Presidenta
Fernando Gaburri de Souza Lima – Diretor/Nordeste
Maria Aparecida Gugel – Conselho Científico

 

Para acessar a nota em PDF, clique aqui

Compartilhe:

Pessoa Idosa

Pessoa com Deficiência

Artigos

Veja mais matérias

Pular para o conteúdo