NOTA PÚBLICA DE REPÚDIO DE ALTERAÇÃO DE RESERVA DE CARGOS (COTA) DO PROJETO DE LEI N° 626/2021
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID vem a público se posicionar contra o projeto de lei n° 626/2021 que alteram o artigo 93 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 e alteram substancialmente a reserva de cargos (cota). Referido projeto de lei está apensado ao PL 3915/2020.
O Deputado Federal Lucas Gonzalez (NOVO/MG) no PL n° 626/2021 justifica a proposição de alterar o tempo para o cumprimento da reserva de cargos (cota) para até 40 dias, se for dispensa imotivada, ou 90 dias se decorrente de pedido de demissão porque a regra atual “retira do empreendedor a autonomia de gerir sua empresa de modo eficiente e sustentável” e a “dificuldade comumente relatada pelos empregadores é a dificuldade de preencher o posto” e propõe:
Art. 2º O art. 93, § 1º, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 93 (…)
- 1º A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado não implicarão em descumprimento do percentual previsto no caput deste artigo, desde que a vaga seja preenchida, por outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social, em até 40 (quarenta) dias, a contar do cumprimento do aviso prévio, quando houver.
Art. 3º O art. 93 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar acrescido do seguinte § 4º:
Art. 93. (…)
- 4º O cargo vago em razão de pedido de demissão da pessoa com deficiência ou de reabilitado da Previdência Social, poderá ser ocupado em até 90 (noventa) dias, por outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social, sem que se caracterize descumprimento do percentual previsto no caput deste artigo.
O artigo 93 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 deve permanecer inalterado, se não for para melhorar e conquistar novos direitos.
A proposta do PL fere o princípio da progressividade de direitos (ou não retrocesso) prevista nos Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Decreto 591/1992 e Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador – Decreto 3.321/1999.
Além disso, o princípio geral da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) (Decreto nº 6.049/2009) afirma que todas as pessoas com deficiência têm o direito de trabalhar em igualdade de oportunidade e condições com as demais pessoas (artigo 3º, letra e) para um trabalho (vaga, cargo, atividade, ofício, função) de sua livre escolha e aceito no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência (artigo 27).
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, por sua vez, dirigida a todas as pessoas com deficiência e repete o comando da norma convencional, afirmando que a habilitação profissional e a reabilitação profissional pode ocorrer em empresas por meio de previa formalização do contrato de emprego da pessoa com deficiência, que será considerada para o cumprimento da reserva de vagas prevista em lei (artigo 36, parágrafo 6º da Lei nº 13.146/2015).
A reserva de cargo (cota) em empresas com cem ou mais empregados (artigo 93 da Lei nº 8.213/1991) se destina a pessoas com deficiência. Sendo assim, além de ter natureza de ordem pública e de cumprimento obrigatório, é norma de direito personalíssimo.
Em momento nenhum a reserva de cargo (cota) na empresa retira a autonomia para gerir a empresa. Ocorre que o empregador(a) não pode escolher não cumprir a cota, ela é obrigatória, e seu poder de direção não permite deixar de contratar pessoa com deficiência podendo incorrer em pratica de discriminação em razão da deficiência.
A imposição de admitir (substituir) outro(a) trabalhador(a) com deficiência no posto de trabalho é para, justamente, manter a reserva de cargo (cota).
O argumento de que o(a) empregador(a) “tem dificuldade de preencher o posto” porque não encontra pessoa com deficiência habilitada para a função não é verdadeira. A Lei n° 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, permite ao(à) empregador(a) contratar uma pessoa com deficiência e habilitá-la no curso do contrato de trabalho – artigo 36, parágrafo 6º.
Qualquer que seja o ângulo de análise, as duas proposições do PL ferem a ação afirmativa de reserva de cargo (cota).
Brasília, 4 de outubro de 2021.
Cristiane Branquinho Lucas – Presidenta
Maria Aparecida Gugel – Conselho Científico
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