30 de junho de 2021
Em defesa da escola bilíngue inclusiva: posicionamento sobre o PL 4.909/20 e convite para o diálogo
A Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Rede-In) vem a público manifestar sua contrariedade ao Projeto de Lei nº 4.909/2020, que visa alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para dispor sobre o ensino bilíngue em Libras como primeira língua e Português escrito como segunda língua como uma modalidade da educação básica para educandos com deficiência auditiva, surdos, surdocegos, sinalizantes ou não.
O Projeto de Lei, que prevê um modelo segregado para a educação bilíngue de surdos, abre precedentes para a retomada de um sistema de ensino segregador e excludente, há pouco tempo superado no país. Esse sistema parte da premissa de que as diferenças devem ser categorizadas e isoladas em espaços homogeneizadores e restritivos. Tal perspectiva nega o direito às aprendizagens, à convivência, à formação cidadã, à democracia e à ampliação de repertórios que somente a diversidade proporciona no ambiente escolar, com impactos na vida em sociedade para todas as pessoas, com e sem deficiência.
A Rede-In reconhece que há muito a avançar no modelo de educação bilíngue inclusiva no Brasil. Por muito tempo, a comunidade surda, em toda a sua diversidade, teve suas demandas específicas menosprezadas pelo próprio movimento das pessoas com deficiência, pelas políticas educacionais e pela sociedade em geral. Um dos motivos para esse afastamento é o próprio desconhecimento da cultura surda em todas as suas manifestações, línguas e dimensões.
Daí a importância e defesa incondicional da escola pública e comum enquanto lugar primordial para a transformação desse cenário. É preciso garantir que os recursos públicos cheguem às escolas públicas e que esses investimentos fortaleçam o direito de todas as pessoas à educação inclusiva, equitativa e de qualidade.
Organizações que compõem a Rede-In, assumiram o compromisso de desenvolver, junto a educadores/as surdos/as e redes municipais de educação, propostas educacionais bilíngues inclusivas. Tais propostas promovem e ratificam o direito à diversidade linguística, à pedagogia visual e à acessibilidade, trazendo benefícios para todos os estudantes (com e sem deficiência) e comunidades escolares. As iniciativas envolvem diferentes estratégias, tais como:
- A organização das redes de ensino para atendimento das demandas de estudantes surdos, como por exemplo, a estruturação de escolas polo bilíngues inclusivas;
- A valorização, promoção e ensino da Libras para a comunidade escolar (alunos, professores, funcionários, gestores, familiares e moradores do entorno);
- O desenvolvimento e o fortalecimento da dupla-docência por professores surdos e ouvintes, em uma abordagem bilíngue;
- A construção de currículos bilíngues inclusivos, onde as línguas são igualmente reconhecidas, valorizadas e trabalhadas nos diferentes componentes curriculares;
- A atuação de Tradutores/Intérpretes Educacionais da Língua Brasileira de Sinais, inclusive nos momentos de intervalo, entrada e saída dos estudantes – assim como acontece com os demais profissionais de apoio;
- O fortalecimento de premissas e práticas orientadas pela Pedagogia Visual;
- O desenvolvimento de materiais e práticas pedagógicas acessíveis, inclusivas e bilíngues;
- A interação com alunos surdos, por meio de atividades e projetos específicos, realizados no contraturno escolar, tais como o Atendimento Educacional Especializado (AEE);
- O fortalecimento de espaços e tempos bilíngues, inclusivos, interculturais e acessíveis e
- Assessoria à gestão e formação continuada de professores surdos e ouvintes.
Esta nota tem como objetivo, para além de repudiar o Projeto de Lei em questão, convidar – ainda que tardiamente – a comunidade surda, sinalizante e oralizada, para somar esforços conosco na construção e fortalecimento da escola comum, pública, plurilíngue e inclusiva para todas as pessoas. Acreditamos que a construção de consensos se faz no diálogo e no confronto entre perspectivas divergentes, outra lição primordial aprendida na escola para todos.
Por fim, reiteramos a importância da escola como um bem público e comum: uma escola com todos, de todos e para todos. No encontro e no reconhecimento de vários traços culturais, identitários e linguísticos emerge na escola a riqueza das diferenças, garantindo a todas as pessoas novas possibilidades de ver, sentir, compreender e expressar o mundo.
*Compõem a Rede-In: Instituto Rodrigo Mendes; Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down – FBASD; Associação Nacional de Membros(as) do Ministério Público em Defesa das Pessoas com Deficiência e Idosos – AMPID; Associação Brasileira por Ação pelos Direitos das Pessoas com Autismo – ABRAÇA; Escola de Gente – Comunicação em Inclusão; Instituto Jô Clemente – IJC; Rede Brasileira do Movimento de Vida Independente – Rede MVI; Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade – APABB; Coletivo Brasileiro de Pesquisadores e Pesquisadoras dos Estudos da Deficiência – MANGATA; Mais Diferenças – Educação e Cultura Inclusivas; Visibilidade Cegos Brasil; Instituto JNG; Associação Nacional de Emprego Apoiado – ANEA; Coletivo Feminista Helen Keller; Associação Amigos Metroviários dos Excepcionais – AME-SP; Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas e Izabel Maior.
- Apoio institucional: Instituto Alana
Acesse o documento em PDF aqui: pronunciamento da Rede-In sobre PL 4909